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    Ciência

    Infecções por bactérias do gênero da sífilis aconteceram no Brasil mil anos antes da chegada dos europeus

    As infecções por bactérias treponêmicas, causadoras de doenças como a sífilis, já aconteciam no território do Brasil há pelo menos mil anos antes do contato com os europeus, aponta artigo publicado com participação de pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP.



    Sepultamento escavado no sambaqui Cabeçuda-01 em Laguna, Santa Catarina. Foto: Alexandro Demathé/Acervo GRUPEP-Arqueologia/Wikipedia


    A partir de amostras de ossos encontrados num sítio arqueológico em Santa Catarina, os especialistas identificaram fragmentos do DNA das bactérias e reconstruíram seu genoma, em descoberta que é mais um passo para entender a origem, distribuição geográfica e forma de infecção da doença – três grandes pontos de debate na ciência.

    A reconstituição revelou que o genoma pertence à bactéria causadora da bejel, do mesmo gênero do agente causador da sífilis, e que havia sido descrita apenas em regiões quentes e secas da Europa, Ásia e norte da África.

    O resultado do estudo indica que as infecções ocorreram entre cerca de 2.000 a 2.500 anos atrás, muito antes das expedições que os europeus realizaram na América a partir do final do século 15.

    Além da USP, a pesquisa teve a participação das Universidades de Basileia e Zurique e do Instituto de Biociências de Lausane, na Suíça, do Museu de História Natural e da Universidade de Viena, na Áustria, das Universidades de Barcelona e Valência e Instituto de Saúde Carlos III, na Espanha.

    A sífilis é uma das treponematoses – doenças causadas por bactérias do gênero Treponema, em formato de espiral (espiroquetas) – responsáveis também pelos casos de bejel (sífilis endêmica), bouba (yaws) e pinta (Treponema carateum), cujas manifestações mais evidentes são lesões na pele.

    Ela é uma doença infectocontagiosa, transmitida pela bactéria Treponema pallidum pallidum, por meio do contato sexual, ou verticalmente, da mãe para o feto, e através de sangue e secreções contaminadas. Caso não seja tratada precocemente, pode comprometer o cérebro, sistema nervoso, coração, ossos e pele.

    “A origem, distribuição geográfica e forma de infecção das treponematoses vêm sendo discutidas há séculos, e envolvem três hipóteses sobre o surgimento da sífilis”, relata o pesquisador do IB Luis Pezo Lanfranco, um dos autores do artigo. “Todas elas giram ao redor de um evento histórico específico, o retorno de Colombo da América à Europa no final do século 15 e da epidemia, que vários pesquisadores têm interpretado como de sífilis venérea, que se alastrou pela Europa no início do século 16.”

    A “hipótese colombiana” sugere que a sífilis que atingiu como epidemia a Europa no final do século 15 foi proveniente das Américas, levada por Cristóvão Colombo e sua tripulação em 1493.

    “Ela se assenta nos dados ambíguos sobre evidências osteológicas, pesquisadas em ossos, de sífilis na Europa antes desta data, muitas vezes confundida com a lepra”, conta Lanfranco.

    A segunda hipótese, chamada de “pré-colombiana”, sugere que a bactéria já existia desde os primórdios da humanidade e se transformou com ajuda do clima, temperatura, meio ambiente e densidade demográfica, em outras doenças, até chegar à espécie causadora da sífilis.

    “Ela teria surgido na África e seguido para a Ásia, isolou-se na América depois de sua entrada há 17 mil anos, transformando-se em sífilis há 5 mil anos e entrando na Europa apenas no século 15, de onde espalhou-se pelo mundo na forma que hoje é conhecida”, relata o pesquisador.

    A terceira hipótese, chamada de “Unitária”, aponta que existe apenas uma única treponematose com diferentes manifestações clínicas dependendo de diferentes condições epidemiológicas.

    “Neste caso a sífilis está relacionada com densidade populacional e já estava presente tanto na Europa quanto na América na época do contato dos europeus com o Novo Mundo.”

    Os pesquisadores reconstruíram o genoma bacteriano extraído dos ossos de pessoas sepultadas no sambaqui Jabuticabeira 2, localizado em Jaguaruna, no litoral de Santa Catarina, para testar a hipótese da existência de doenças treponêmicas na região.

    De acordo com Lanfranco, o resultado da pesquisa muda o que se achava consolidado sobre a prevalência de doenças treponêmicas em diversos ecossistemas.

    “Pelo que a teoria argumentava até agora, não era esperado encontrar bejel numa área de Mata Atlântica, acreditava-se que estava restrita a regiões quentes e secas do Velho Mundo e que a forma existente na América do Sul e região do Caribe era a bouba, mais comum em áreas úmidas”, observa.

    “No entanto, a discussão persistia pela alta presença de indicadores ósseos de treponematoses nas regiões secas do Deserto Costeiro do Peru e no Deserto do Atacama no Chile.” (Júlio Bernardes/Jornal da USP)

    19 DE FEVEREIRO DE 2024



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