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    Ciência

    Cupuaçu só surgiu com a domesticação de fruto por indígenas

    O cupuaçu é um fruto típico da Floresta Amazônica. Seu nome deriva das palavras em tupi kupu, que significa “que parece com cacau”, e uasu, que é “grande”.



    Polpa de cupuaçu. Foto: Christopher Hind/CiXeL/Wikimedia


    Componente da culinária brasileira e popular por todo o País, acreditava-se que o cupuaçu era uma espécie nativa – ou seja, que ela ocorria de forma natural nos locais onde se distribui.

    Mas pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP descobriram que o fruto, na verdade, é uma espécie domesticada pelas populações indígenas do médio-alto Rio Negro, há mais de 5 mil anos.

    Espécies domesticadas são aquelas originadas por meio de uma seleção artificial pela ação humana. Por meio de uma análise genômica, os pesquisadores conseguiram rastrear as origens do cupuaçu e concluíram que o fruto é uma variante domesticada do cupuí, um integrante da família do cacau e natural do bioma amazônico.

    “Do cupuí para o cupuaçu ocorreu uma mudança física pelo meio de plantar. O progenitor do cupuaçu tinha uma polpa não muito volumosa, e o fruto em si era menor”, explica Matheus Colli-Silva, doutor em botânica pelo IB.

    A descoberta revela que os povos indígenas da região perceberam o potencial da polpa do cupuí, selecionaram os frutos que eram maiores e cruzaram esses entre si.

    “Se se começa a fazer esse retrocruzamento com atributo de interesse, que nesse caso é um fruto maior, você vai, ao longo das gerações, desenvolvendo esses indivíduos.”

    O retrocruzamento acontece quando existe o cruzamento entre um descendente com qualquer um de seus progenitores. O método viabiliza a transferência de genes – o que explica o aumento de tamanho dos frutos com o tempo.

    A domesticação de espécies é comumente associada a animais. O exemplo mais famoso é o cachorro, um descendente dos lobos que passou por esse processo mais de 12 mil anos atrás.

    Contudo, o procedimento também é utilizado em vegetais, seja para o aprimoramento genético de monoculturas pela indústria agrícola, seja feito de forma não planejada pelos humanos. De qualquer forma, existe uma seleção artificial de características a serem destacadas.

    As suspeitas por trás da origem do cupuaçu se originaram a partir de uma expedição realizada pelo pesquisador na região amazônica, mais precisamente em localidades do Pará, Amazonas e Acre.

    “A princípio, nós não tínhamos pensado nessa pergunta. Porém, o simples fato de estarmos estudando a natureza nos levou a ir para o campo e perceber que o cupuaçu não estava presente em lugares de mata fechada, mas sim sempre próximo às civilizações”, explica ele.

    A partir daí foi realizada uma coleta de cupuaçus e cupuís, posteriormente levados ao laboratório e analisados por meio do sequenciamento de DNA.

    Depois isso, os resultados das duas espécies foram colocados lado a lado para o apontamento de suas semelhanças.

    Ademais, dados arqueológicos e antropológicos sobre a história dos povos indígenas na Amazônia também foram trazidos para a discussão, contribuindo nas conclusões alcançadas pela pesquisa.

    “Nós conseguimos mostrar, com base nesses dados genômicos contrastados com os da arqueologia e da antropologia, que esse processo provavelmente teve início entre 5 e 8 mil anos atrás por povos indígenas que viviam na região do médio-alto Rio Negro.”

    A ligação entre as populações indígenas e o processo de origem do cupuaçu reforça a importância da relação desses povos com a biodiversidade da região e o seu papel no ecossistema amazônico.

    “A Amazônia é um bioma que foi ocupado e modificado por povos indígenas. Mas, diferente do que temos hoje com as pressões antrópicas [ações humanas] e o desmatamento, essas alterações sentidas há milênios atrás foram feitas de modo sustentável”, pondera o pesquisador.

    O processo de domesticação do cupuaçu ocorreu no final do Holoceno – era geológica marcada pela estabilização meteorológica após o último processo de glaciação da Terra.

    De acordo com evidências arqueológicas, foi nesse período que os povos da Amazônia passaram a aprimorar técnicas dentro da agrobiodiversidade – procedimentos de manejo de terra que, além de se mostrarem vantajosos produtivamente, também colaboravam para a conservação da floresta.

    Os cientistas observam que as comunidades indígenas tinham uma alimentação diversificada, englobando o cultivo de palmeiras, leguminosas e outras árvores frutíferas.

    “Essa descoberta mostra como os povos indígenas sempre cuidaram da natureza e a extensão de seus conhecimentos sobre a flora. Além disso, deixa claro que coisas que nós cientistas aprendemos nos últimos 500 anos já eram conhecidas há milênios por outros povos.” (Camilla Almeida/Jornal da USP)

    3 DE DEZEMBRO DE 2023



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