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    Ciência

    Entre sapos cantantes e bromélias gigantes: cientistas descobrem novas espécies em montanhas isoladas da Amazônia

    Estamos a 1.875 metros de altitude na Serra do Imeri, uma cadeia isolada de montanhas no extremo norte do Amazonas. Chuvas fortes castigam o acampamento quase todos os dias, e a umidade do ar dificilmente cai abaixo de 90%. Essa é uma viagem dos sonhos para qualquer cientista que se interessa pela biodiversidade da Amazônia: uma oportunidade raríssima de se aventurar por uma natureza verdadeiramente intocada e desconhecida, no topo da maior floresta tropical do planeta.



    Acampamento da expedição. Foto: Herton Escobar/USP Imagens


    A ideia da viagem surgiu em 2018, na sequência de uma expedição pioneira ao quase vizinho Pico da Neblina, que resultou em várias descobertas e documentou, pela primeira vez, as plantas e bichos que habitam a montanha mais alta do Brasil (2.995 metros), em 2017.

    A região onde estamos agora é menos alta, porém mais isolada, sem qualquer infraestrutura instalada ou via de acesso preestabelecida. Até onde se sabe, ninguém jamais colocou os pés ali.

    As comunidades Yanomami do entorno foram consultadas antes da expedição e nem mesmo elas conheciam as partes mais elevadas da serra.

    A missão dos cientistas no topo da montanha é relativamente simples: percorrer a maior variedade possível de ambientes e coletar a maior diversidade possível de plantas e animais, para ter uma ideia do que existe ali.

    Simples de dizer, difícil de executar. Passar duas semanas no alto de uma serra, no meio da lama, exposto às intempéries da natureza, subindo e descendo trilhas todos os dias (e noites) não é nenhum passeio no parque.

    “Foi a expedição mais difícil da minha vida”, diria Rodrigues, ao final da aventura. Aos 69 anos, com um histórico acadêmico e de vida do tamanho da Amazônia, Rodrigues é o ícone da equipe e mentor da expedição, realizada em parceria com o Exército brasileiro e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio do programa Biota.

    Foi ele quem concebeu o projeto e selecionou os integrantes da equipe, incluindo especialistas em répteis e anfíbios (herpetologia), mamíferos (mastozoologia), aves (ornitologia), plantas (botânica) e parasitas (parasitologia). Quatorze pesquisadores ao todo, oriundos da USP, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França (CNRS). O Jornal da USP acompanhou toda a expedição, realizada entre 2 e 23 de novembro.

    Em 12 dias de trabalho no campo, os pesquisadores coletaram 285 animais, de 41 espécies, das quais 12 (30%), pelo menos, são inéditas para a ciência (cinco anfíbios, quatro lagartos e três aves).

    Pode parecer pouco, mas é muita coisa. E isso é só o que os pesquisadores conseguiram identificar de imediato como coisas novas.

    À medida que o material for sendo examinado em detalhe no laboratório, é muito provável que outras novidades apareçam, tanto do ponto de vista genético quanto morfológico.

    Tão importante quanto o número de novas espécies, segundo os pesquisadores, é o fato de que grande parte das plantas e animais coletados na expedição parece ser exclusiva (ou endêmica, na linguagem técnica) dessas formações montanhosas do norte da Amazônia, que incluem o Pico da Neblina, o Monte Roraima e outros maciços tabulares (chamados tepuis), que se espalham pelo norte do Brasil, sul da Venezuela e oeste da Guiana. Ou seja, são espécies que só existem no topo das montanhas e chapadas dessa região, conhecida como Pantepui.

    Cravada na fronteira do Brasil com a Venezuela, a Serra do Imeri fica no extremo sul dessa região montanhosa, guardada em território brasileiro por uma dupla camada de áreas protegidas: a Terra Indígena Yanomami e o Parque Nacional do Pico da Neblina (mapa acima).

    “O nível de endemismo aqui é muito alto. Essa é a grande diferença”, destrincha o professor Taran Grant, também do IB-USP, especialista em anfíbios.

    Como comparativo, antes de embarcar para as montanhas, os pesquisadores passaram uma noite coletando répteis e anfíbios no entorno do aeroporto de Santa Isabel do Rio Negro, 90 quilômetros (km) ao sul da Serra do Imeri, que o Exército utilizou como base de apoio para a expedição.

    Em três horas de trabalho tranquilo, sem muito esforço, coletaram 45 bichos, de 20 espécies diferentes. Já na Serra do Imeri, foram necessários cinco dias de trabalho intenso para coletar esse mesmo número de animais, com o uso de dezenas de armadilhas e dezenas de horas de busca ativa na natureza. No final, voltaram para casa com 160 bichos, de pelo menos 12 espécies.

    A diferença fundamental, conforme anotou Grant, é que nenhuma das 20 espécies coletadas em Santa Isabel do Rio Negro era nova, enquanto que quase todas as 12 espécies recolhidas na Serra do Imeri são inéditas (quatro lagartos e cinco anfíbios, pelo menos), além de serem todas endêmicas da região dos tepuis, segundo Rodrigues.

    No caso dos mamíferos, o número de exemplares coletados foi até elevado, mas com uma diversidade de espécies relativamente pequena.

    De um total de 69 animais capturados, 55 eram de apenas três espécies de ratinhos — nenhuma delas inédita, mas todas elas endêmicas dos tepuis, segundo o professor Alexandre Percequillo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, que compôs a equipe de mastozoologia com a professora Ana Paula Carmignotto, da UFSCar.

    O mesmo esforço de coleta na “baixa Amazônia”, segundo eles, teria produzido um resultado oposto, com um número bem maior de espécies, porém menos indivíduos coletados de cada uma delas.

    Os únicos animais de maior porte registrados na expedição foram antas e duas espécies de macaco (prego e guariba), avistados nas partes mais baixas da serra. Por conta das dificuldades impostas pelo terreno, o trabalho dos pesquisadores ficou restrito a uma faixa de 1.700 a 2.000 metros (m) de altitude.

    Apesar de estarem fisicamente conectadas com as florestas abaixo delas, essas formações montanhosas abrigam ambientes altamente diferenciados do restante da Amazônia.

    São como ilhas que se elevam sobre um oceano de floresta, com condições ambientais próprias e pouca conectividade entre elas — condições que favorecem o isolamento biogeográfico e, consequentemente, a evolução de uma biodiversidade própria, exclusiva desses locais.

    A altitude é um fator determinante: quanto maior a elevação, menor a temperatura e, consequentemente, menor a quantidade e a diversidade de seres vivos capazes de sobreviver ali.

    Assim como ocorre nas ilhas oceânicas, portanto, é de se esperar que essas montanhas florestais tenham uma biodiversidade mais restrita e altamente endêmica, comparativamente ao resto da Amazônia.

    Várias das espécies coletadas na Serra do Imeri são parecidas — mas não necessariamente idênticas — com as que os pesquisadores coletaram alguns anos atrás no Pico da Neblina, numa expedição muito semelhante à atual, ou que já eram conhecidas de outros tepuis, mas que nunca haviam sido coletadas no Brasil.

    Segundo os pesquisadores, essas semelhanças sugerem que a Serra do Imeri já foi um tepui também, apesar de não ter mais esse formato característico.

    O tampo da mesa, digamos assim, foi corroído pela erosão, à exceção de alguns monólitos de granito mais duro que hoje se projetam de suas escarpas como relíquias geológicas de um passado distante — preservado tanto nos minerais das rochas quanto no DNA das espécies endêmicas que sobrevivem ali, e que agora serão estudadas pelos cientistas. (Herton Escobar/Jornal da USP)

    27 DE DEZEMBRO DE 2022



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